Monday, November 06, 2006

Honradez na obra

7:30 da manhã o primeiro entra no terreno, e dá bom dia ao canteiro de obras: “- Bom dia entulhos, prontos para hoje?”. Em poucos instantes de um a um vão chegando os trabalhadores, bocejantes, com a cara meio amassada, mas já preparados para boas horas de esforço físico que a demolição das antigas salas demanda. Com todos já presentes, o mestre de obras, encarregado pelo pessoal inicia um discurso, de tom já bem conhecido pelos pedreiros: “– Meus caros amigos, é preciso absorver a importância, e a essência do que fazemos aqui dia a dia, pois não é o simples bater de marretas, e abrir de buracos cada vez maiores nas paredes que nos é o todo desse ofício. É preciso compreender que a força que destrói, se faz nobre e cheia de significado, estamos destruindo para reconstruir cada vez melhor, e isso para mim é especial! A cada movimento, a cada gota de suor derramada, e os calos nascentes nas palmas ao final do dia são honra, são símbolos de força, a força da reconstrução, do recomeço, que se dá pela força de nossos braços... Por isso peço-lhes dedicação, concentração e a certeza de que fazem algo cheio de significado nobre aos meus olhos e aos olhos da vizinhança, que mesmo incomodada com o barulho de nossos martelos, respeitam-nos pelo esforço de nosso dia a dia...” “– Muito Obrigado e bom trabalho a todos nós”
Os trabalhadores sem muito entender, e até impacientes para que o sermão findasse para que começassem mais um dia debaixo do sol, aplaudiram com uma pontinha de ar negligente nos rostos.
A obra tinha uma casa ao lado esquerdo, como vizinhos, e a família de 6 pessoas já não agüentava mais aquele barulho diário, de marretas violentas contra as paredes, martelos e serras amassando e cortando pedaços das salas que eram derrubadas; O irmão mais novo reclama para o irmão do meio enquanto tenta ler um quadrinho de manga do último mês: “- Porra véi, Sá obra dus caráio me estressa viu, os caras fazem um barulho doido desde de manhã cedo, uns filho da puta perturbando a cabeça da vizinhança, q merda viu, vontade de sumir ou jogar uma bomba de vez lá pra derrubar aquela bosta toda de uma vez, caráio sá merda meu...” O irmão ouvinte se diverte ás gargalhadas com a cólera juvenil do irmão e diz: “– Hahahahaha...C é doido seu nóia... hehehe”.
Passados uns 20 minutos dos reclames do jovem, entra o pai da família eufórico pelas portas...:”- Concluímos o prédio, depois de meses de reclamações dos vizinhos, processos movidos contra nós, mesmo assim concluímos... como corredores que chegam ao final de uma maratona, com garra, dedicação, e honra...”.