Tuesday, August 21, 2007


Separação

Uma colegial ganhou de sua madrinha um cofrinho em formato de porquinho, a fim de poupar seus trocados e a mesada que recebia dos pais: Logo abriu um sorriso, pois de fato o porquinho era muito simpático e ficaria bem como adorno em seu criado mudo. Pata iniciar o investimento no porquinho, a menina pôs a mão no bolso e tirou cinco moedinhas de dez centavos! Era um início modesto, mas a grande maioria dos inícios são modestos...
A menina comentou no dia seguinte com as colegas de classe do cofrinho que tinha ganhado de sua madrinha; Estava empolgadíssima com o belo e útil presente, principalmente naquela fase da vida, na qual estava se tornando uma jovem de verdade e precisava aprender valores importantes, como economizar e valorizar o dinheiro que se ganha. No fim da tarde, ao chegar em casa e entrar no quarto, a menina logo checou se estava tudo em ordem com o porquinho, sacudindo-o pra ver a quantas ia a sua economia; Ela se lembrou que tinha sobrado troco do lanche que fez na escola, no bolso da calça...Orgulhosa, pôs uma nota de dois reais dentro do porquinho.
Com o passar dos dias, os trocados miúdos e todo dinheiro que seus pais a davam iam direto para o cofrinho, inclusive a mesada, o investimento ia aumentando naturalmente; Cinco reais, dez, vinte, trinta e assim por diante. A menina separava religiosamente apenas o que precisava gastar e o restante investia no porquinho, demonstrando uma disciplina exemplar. Dia a dia o porquinho ia ficando mais pesado, se fosse de plástico teria inchado, mas como era de barro, continuava com o mesmo tamanho e apenas o peso aumentava, para a alegria da menina que contava eufórica o bom progresso para a mãe, pai e amigas de classe, que nessa altura do campeonato já tinham arrumado ou pedido para os pais cofrinhos semelhantes, em formato do rotundo e simpático suíno.
As meninas satisfeitas conversavam entre si o quanto tinham investido em seus respectivos cofrinhos e o quanto era gratificante poupar e saber que mais cedo ou mais tarde os abririam e teriam tudo o que haviam poupado de volta.
Ao final da aula de sexta feira, as meninas combinaram que trariam cada uma o seu para a aula na segunda e fim de quebrarem e retirarem o dinheiro: Iriam todas para o shopping lanchar e gastar como bem entendessem o investimento.
Segunda feira, ás seis e meia da manhã, a nossa protagonista despertou e antes mesmo de lavar o rosto, pegou o porquinho pesado com satisfação e o guardou cuidadosamente na mochila...
Chegando na escola, se perguntaram pelos seus porquinhos e todas mostraram seus bancos pessoais, cada um tinha uma cor, um formato diferente, uma cara e a única coisa que os tornavam absolutamente iguais era a condição de simpáticos porquinhos cheios de dinheiro dentro. Elas marcaram num canto mais distante do pátio, longe dos olhares das professoras, no final da aula a fim de quebrarem os cofrinhos e enfim irem ás compras. Quando bateu o sinal as meninas esperaram todos saírem da sala e apenas elas ficaram: Nossa menina pediu um tempo para que antes de irem para o pátio ela pudesse ir ao banheiro a fim de retocar o cabelo e a maquiagem, pois do pátio iriam direto para o shopping. Uma das colegas disse que estava indo e que se encontravam lá fora: O grupo todo começou a sair junto e a nossa menina perguntou com quem deixaria o porquinho enquanto estivesse no banheiro, pois estava pesado e não queria sair pelos corredores com ele na mão: Uma das colegas disse que poderia deixar em cima da mesa, porque todo mundo já tinha saído da sala e elas já estavam indo pro pátio. Um pouco relutante em deixar o porquinho sozinho na sala de aula a menina perguntou “será...?”: A mesma colega disse pela segunda vez para nossa protagonista que não tinha perigo nenhum, que não levaria mais que uns dois minutos no banheiro e por isso não precisava se preocupar. A menina enfim concordou e disse que em máximos cinco minutos estaria no pátio para quebrarem os cofrinhos juntas.
Enquanto arrumava o cabelo, a menina não parava de pensar no que poderia comprar com o dinheiro e o quão legal seria aquela tarde...
Saindo do banheiro a menina apressou os passos e quando entrou na sala certa de que pegaria o porquinho e sairia em disparada para o pátio, teve uma improvável e infeliz surpresa: O porquinho não estava na sala!!!
“Meu Deus, cadê meu porquinho? Meu Deus...”: A menina passando a mão na testa a transpirar se perguntava á beira do desespero juvenil. Saiu correndo da sala olhando para os lados, para o primeiro garoto que encontrou perguntou se tinha visto um porquinho, um cofre, e o garoto nada tinha visto, perguntou pra mais uns poucos que ainda estavam pelos corredores, entrou em todas as salas vizinhas e nada, o porquinho havia sumido, provavelmente alguém havia roubado o cofrinho da nossa menina. Chegando no pátio contou soluçante o que tinha acontecido ás amigas e perguntou se nenhuma delas tinha pegado, trazido o porquinho para fora, e elas disseram que não, pois saíram juntas, cada uma com o seu e o porquinho da menina em prantos havia ficado em cima da mesa, sozinho dentro da sala já vazia...
Desolada ela disse que o dia tinha acabado pra ela, as colegas ainda tentaram a convencer de ir ao shopping, pagariam o lanche dela, mas se recusou: Nem na secretaria poderia ir para “dar queixa”, já estava fechada, a escola estava quase vazia...
Chegando em casa, com os olhos vermelhos e ainda molhados, a mãe perguntou preocupada o que tinha acontecido e a menina com a voz embargada disse: “- Roubaram meu porquinho mãe, roubaram o porquinho com todo o dinheiro, tudo o que eu havia investido, poupado esse tempo todo, foi tudo... Fui ao banheiro, deixei em cima da minha mesa e quando voltei já não estava, a sala estava vazia, eu não sei quem foi, quem roubou, mas isso é o que menos importa... Roubaram meu porquinho, eu quero meu porquinho de volta, eu quero...”.

Segredinho sujo

Nosso segredinho sujo é tão puro que evapora em nossa transpiração, em nosso suor, desde o momento em que nos perdemos sem um pingo de razão um no outro. Um pecado acariciado com sabor de licor e fel, me morde a pele ao eriçar dos pêlos e o soltar dos cabelos como quedas d’água escuras, turva foz na qual não se consegue enxergar um palmo além da superfície: Essa superfície descabida e deslumbrante de sensações de libertação, como a risada dos loucos, a vaidade dos nobres, a carência dos mendigos nas noites de temporal. Não me diga sua verdade, me alimente com seu instinto e o burlar das regras, me machuca com suas cartas na manga, com os golpes de misericórdia que levam da terra às nuvens mais alvas em instantes mágicos, aonde o mundo pára de girar e tudo flutua, as forças se esvaem e aquela sensação de céu faz o olhar brilhar como um punhado diamantes roubados: Nosso segredinho sujo é belo e profano, desacreditado de vida longa, fazendo de tudo pra eternizar o que nunca poderia ser, o efêmero, o proibido e condenável: Injustiça condenarem a luxúria como pecado, porque ela é livre, não confia em ninguém e não se julga, não se pronuncia eterna como o amor; Amor, palavra tão distante desse nosso castelo de areia, dessa nossa torre de cartas à mercê de tempestades, furacões. Nosso segredinho sujo segue descrente de certas palavras, cético quanto ás juras sagradas que caem no chão e se quebram, frágeis; Quem dera tivessem a fidelidade dessa nossa promessa, de guardar nosso segredo custe o que custar. Como já disse o poeta, não há pintura mais bela do que um corpo nu na moldura de uma cama, e isso nada tem a ver com o cotidiano, dia a dia, por que precisa da inspiração de tudo o que é furtivo, silencioso secreto e acima de qualquer suspeita. Olhos de lince, meu vício e meu suplício, me faz um bem, me faz um mal e me torna vivo, suscetível, vulnerável a me reconhecer no espelho dos seus olhos lindos, em alta noite, longe da luz do dia, longe de qualquer coisa que acuse, que maldiga. Teus sinais são o que eu espero, teu chamado é inegável aroma de maravilhosa nudez, de estranhos e íntimos animais, incontinentes crianças caminhando pela relva de um paraíso breve e inesquecível, e jamais me esqueço da promessa que nunca mais saiu do pensamento: Manter sob nossa vontade esse agridoce e maravilhoso segredinho sujo.

Tuesday, August 07, 2007


Encanto


Quem dera teus cantos fossem meus
Teus desvãos me livrassem dos breus
Que são os meus cios não respondidos
Meu desejo contido
Meu deitar de corpo frio sem abraço
Raro encanto, pouco visto
Se tua vontade é ficar, me dá um indício
Se é fugir, foge pro meu aprisco
Se as mãos que te tocam já não te fazem subir ao céu
Se pro teu gozo, corta o pouco
Feito tesoura no papel
Te confesso meu encanto
Feito promessa e juramento
Prazer que livraria de um céu cinzento
Que de imaginar sem querer me desola
Sendo a contemplação uma mera esmola
Quando só a nudez do teu corpo me seria alento

Andar sozinho não aflige em muito
Pior é te olhar, como a quem olha um anjo
Podendo te ser um tudo
Querendo sempre mais e tanto
Mulher e menina de claro dia
Talvez sendo menos feliz do que deveria
Mas jamais poderia confessar que te amo
De forma indizível e ímpar
As mãos que te tocam são de outro fulano
Do suor de tua pele faria minha sina
Te guardando no meu corpo como coisa pequenina
Me alimentando de paixão a cada dia, mês e ano

Sonho quase impossível
Dissonante dos caminhos por onde ando...