Tuesday, May 22, 2007


“Vai te fudêire gajo...”

Me lembro como hoje de umas tardes frias, nubladas: O invernão dando as caras e no começo ainda suave. Matar aula era o máximo, o gostinho agradável de se transgredir, burlar mesmo sabendo que aquilo poderia nos custar advertências notificadas ou mesmo suspensão de dois dias! (Sim, o colégio em casos que considerava mais contundentes, suspendia os pobres adolescentes por dois dias...). Nessas escapadas o habitual era ir para o shopping tomar uns chopps e fumar Free light ou cigarro de canela: Aquelas lojas todas, tanta coisa bonita nas vitrines, aquele cheiro de coisa nova no ar, e o grupo de púberes mais incontinentes daquele colegial volta e meia lá pra tomar choppinho e conversar em meio á fumaça daqueles cigarros magrelos: Ninguém bebia para comemorar uma promoção ou um fechamento de uma grande venda, ou por dor de cotovelo, também não se fumava por solidão ou ansiedade, mas sim pelo novo, pelo provar daquilo que os adultos faziam naturalmente, pois era “péssimo” ainda não ser adulto...Mas sempre, religiosamente sempre antes do shopping, passávamos na banca da esquina da rua do colégio, no “tio”. Ele poderia se chamar fulano ou cicrano, até mesmo Adalberto, mas isso ninguém sabia e nem sabe até hoje. O “tio”era português, não tinha chapeuzinho mas um bigode feio, como todo português clássico; Isso já era motivo para pegar no pé de um colega nosso, que tinha pai português (Um dos velhos mais mal-humorados que já conheci na vida!...), e bastava pro cara ficar indignado e mandar todo mundo pra um lugar bem feio...
Na banquinha do tio sempre estava rolando algum som legal ou mesmo o rádio tocando os sucessos populares. Quando uma de suas filhas estava lá pela manhã, sempre tinha um rock legal: “Marcante” foi ver ela abaixando na nossa frente, com uma calça jeans justíssima, pra pegar alguma coisa pra um cliente, ao som de “Back in black” do Ac/Dc: A rapaziada foi ao delírio com aquela “afronta” aos hormônios juvenis!
Quando era o tio atrás do balcão, ele sempre estava conversando com alguém sobre os mais variados assuntos: O jogo de domingo, os crimes e furtos do fim de semana que ilustravam os tablóides mais populares, a inflação, a grana curta e qualquer coisa que se conversa com qualquer um na rua...Sempre que passávamos lá, tinha um cara sentado num banquinho, ao lado do balcão, discutindo alguma coisa com o tio, e sempre que os dois confrontavam as opiniões ou o rapaz pegava no pé do português por uma derrota do seu time, por exemplo, ele mandava na lata ás risadas; “Vai te fudêire gajo”...Era assim que eu entendia. O tio era portuga gente boa, vivia rindo das malcriações que ele mesmo falava mas sempre atendia bem á galera: Eu costumava comprar amendoim e chiclete, sendo que o amendoim era diário; Ele tinha aqueles potes grandes cheios de amendoim salgado e uma pequena xícara como medida; Perguntava quantas medidas você ia querer, e se não me falha a memória, cada uma custava trinta centavos...
O tio foi um personagem clássico daqueles dias especiais, que nem eram tão especiais enquanto eram vividos, mas como tudo o que vai, deixaram muita saudade em mim. O tio também deixou saudade; Beirando o emblemático, amigos de juventude sempre juntos, passando ás pressas na banquinha de revistas e doces, afoitos, na correria pra não perder o ônibus do horário ou para ir conversar no shopping.
Eu, volta e meia me pego dizendo “Vai te fudêire...” em pensamento pra “N” coisas; Peneirando o que se vale à pena guardar e o que se deve ignorar e esquecer, como quem escolhe cores, como quem escolhe as conchas mais legais na praia, as flores mais bonitas no canteiro: Se sorri a quem ou o quê se gosta e se diz “Vai te fudêire” sempre que algum/algo te desagradar, ou não te trouxer algo de bom, não te fizer bem ou parecer te roubar a luz...Saudade daqueles tempos inocentes e do “Vai te fudêire” do português da banca, que tanto nos fazia dar risada, nos divertindo com aquela irreverência carregada de sotaque luso que fazia até o próprio rir de si mesmo...! Se você não é como o tio, tem sangue de barata e nunca mandou alguém ou algo se fudêire, me desculpe, mas tenho que lhe dizer: Vai te fudêire gajo!

=)