Como areia por entre os dedos
É muito louco perceber como a vida dá voltas e o destino te surpreende de maneira absurda! Tanta lágrima e suor, tanta saudade e solidão, paixão e fogo adormecidos debaixo de uma espessa camada de gelo.
Eu saí de uma cidadezinha do interior do sul do país, o clima era bom, e as ruas dos bairros tinham galerias de árvores nas calçadas: Essa imagem da rua indo ao longe, meio vazia em dias de manhãs de inverno, era de fato uma bela imagem! Com o dia frio e nublado, as árvores se despiam das folhas e as deixavam cair no chão, colorindo as ruas...Eu gostava das árvores, mas não tanto quanto hoje, por que não as tenho mais diante dos meus olhos, e tudo o que se perde, cresce dentro do coração. Que saudade daquela pequena casinha em estilo europeu, em madeira escura, como uma espécie de mogno: Era lá que morava Ana, minha doce namoradinha, a dona dos meus pensamentos e do meu jovem coração indomável. Era tão bom tomá-la pela mão e ir até o leito do riacho que passava ao final da rua principal da vila: Sentávamos e jogávamos pedras na água, e enquanto as pedras formavam as pequenas ondas na água, a gente falava de futuro: Nossa! Éramos amigos e falar de um futuro juntos era tão comum e leve que nem parecíamos duas crianças. Ana estava em todos os meus sonhos, e era como se eles não existissem sem a imagem dela a sorrir, lhes dando vida e cor: Ela me sorria quando achava graça das minhas roupas, minhas bermudas largas, quase a cair do meu corpo: Eu achava graça nela, era tão bela e tão apaixonantemente ingênua, como se o mundo lá fora nunca fosse nos tocar, estaríamos sempre seguros no nosso mundinho particular e aquecido, Tranquilo demais que naquelas tardes bocejávamos. Naquele lugar aonde o tempo parecia não passar para nós dois.
Eu já estava com dezessete e meu pai começava a fazer das conversas "de homem para homem", um hábito freqüente:
- O que você acha de ir para a capital estudar lá? Tenho pensado muito no seu futuro e no que vai se tornar...Quero me orgulhar de você assim como me orgulho de seu irmão.
Meu irmão sempre foi admirado pela força e dedicação com que estudava e aprendia as coisas mais difíceis de se dominar. Me lembro que papai gostava de sentar com ele com os livros de mecânica de automóveis abertos em cima da mesa e explicar sobre aquilo tudo, olhar nos olhos dele, orgulhoso, e ver o interesse em saber mais sobre como um carro funcionava. Meu irmão já tinha saído do nosso meio há três anos, e nos visitou apenas quatro vezes nesse tempão todo. Nos poucos momentos que estive ao lado do meu irmão, nessas ocasiões em que ele nos visitou lá, o percebi diferente, como se tivesse mudado e afeiçoava um ar seguro, como se fosse um vencedor, um sortudo por conhecer a capital e o mundo lá fora, toda a informação e todas as suas luzes de neon: Dizia que queria terminar a faculdade tentar fazer uma pós-graduação fora do país, dizia que os amigos dele tinham belos carros e que ele queria um também, falou muito em dinheiro, valores das coisas, preços, aplicações em bancos, falava com um entusiasmo irreconhecível, como se fosse um profundo conhecedor de finanças, juros e essas coisas que eu nunca entendi, e confesso até hoje saber apenas o indispensável. Ele sempre foi um cara inteligente, mas ainda jogava bola com a gente no campo ao lado da casa do seu Jonas, saíamos para tomar banho no riacho, outras vezes pescávamos e era como uma competição, pra ver quem conseguia os maiores peixes: Era muito divertido! Quando caia a noite, cada um da turma ia para a sua casa tomar banho, pentear bem os cabelos lavados e limpos, para irmos ao parque em época de festa na cidade. Eu gostava daquela brincadeira dos tiros, aonde se tem que derrubar os alvos para ganhar um brinde, que geralmente era um ursão empoeirado ou uma boneca de pano: Sempre quando chegava minha vez de atirar eu ficava tenso, e meu irmão sempre chegava perto, segurava minhas mãos já com a espingarda de pressão apontada e dizia:
Eu saí de uma cidadezinha do interior do sul do país, o clima era bom, e as ruas dos bairros tinham galerias de árvores nas calçadas: Essa imagem da rua indo ao longe, meio vazia em dias de manhãs de inverno, era de fato uma bela imagem! Com o dia frio e nublado, as árvores se despiam das folhas e as deixavam cair no chão, colorindo as ruas...Eu gostava das árvores, mas não tanto quanto hoje, por que não as tenho mais diante dos meus olhos, e tudo o que se perde, cresce dentro do coração. Que saudade daquela pequena casinha em estilo europeu, em madeira escura, como uma espécie de mogno: Era lá que morava Ana, minha doce namoradinha, a dona dos meus pensamentos e do meu jovem coração indomável. Era tão bom tomá-la pela mão e ir até o leito do riacho que passava ao final da rua principal da vila: Sentávamos e jogávamos pedras na água, e enquanto as pedras formavam as pequenas ondas na água, a gente falava de futuro: Nossa! Éramos amigos e falar de um futuro juntos era tão comum e leve que nem parecíamos duas crianças. Ana estava em todos os meus sonhos, e era como se eles não existissem sem a imagem dela a sorrir, lhes dando vida e cor: Ela me sorria quando achava graça das minhas roupas, minhas bermudas largas, quase a cair do meu corpo: Eu achava graça nela, era tão bela e tão apaixonantemente ingênua, como se o mundo lá fora nunca fosse nos tocar, estaríamos sempre seguros no nosso mundinho particular e aquecido, Tranquilo demais que naquelas tardes bocejávamos. Naquele lugar aonde o tempo parecia não passar para nós dois.
Eu já estava com dezessete e meu pai começava a fazer das conversas "de homem para homem", um hábito freqüente:
- O que você acha de ir para a capital estudar lá? Tenho pensado muito no seu futuro e no que vai se tornar...Quero me orgulhar de você assim como me orgulho de seu irmão.
Meu irmão sempre foi admirado pela força e dedicação com que estudava e aprendia as coisas mais difíceis de se dominar. Me lembro que papai gostava de sentar com ele com os livros de mecânica de automóveis abertos em cima da mesa e explicar sobre aquilo tudo, olhar nos olhos dele, orgulhoso, e ver o interesse em saber mais sobre como um carro funcionava. Meu irmão já tinha saído do nosso meio há três anos, e nos visitou apenas quatro vezes nesse tempão todo. Nos poucos momentos que estive ao lado do meu irmão, nessas ocasiões em que ele nos visitou lá, o percebi diferente, como se tivesse mudado e afeiçoava um ar seguro, como se fosse um vencedor, um sortudo por conhecer a capital e o mundo lá fora, toda a informação e todas as suas luzes de neon: Dizia que queria terminar a faculdade tentar fazer uma pós-graduação fora do país, dizia que os amigos dele tinham belos carros e que ele queria um também, falou muito em dinheiro, valores das coisas, preços, aplicações em bancos, falava com um entusiasmo irreconhecível, como se fosse um profundo conhecedor de finanças, juros e essas coisas que eu nunca entendi, e confesso até hoje saber apenas o indispensável. Ele sempre foi um cara inteligente, mas ainda jogava bola com a gente no campo ao lado da casa do seu Jonas, saíamos para tomar banho no riacho, outras vezes pescávamos e era como uma competição, pra ver quem conseguia os maiores peixes: Era muito divertido! Quando caia a noite, cada um da turma ia para a sua casa tomar banho, pentear bem os cabelos lavados e limpos, para irmos ao parque em época de festa na cidade. Eu gostava daquela brincadeira dos tiros, aonde se tem que derrubar os alvos para ganhar um brinde, que geralmente era um ursão empoeirado ou uma boneca de pano: Sempre quando chegava minha vez de atirar eu ficava tenso, e meu irmão sempre chegava perto, segurava minhas mãos já com a espingarda de pressão apontada e dizia:
"- Se segurar assim a chance de acertar é maior, seu jeca... Tem, que segurar assim, como estou te ensinando...”
Ele sempre sabia tudo, sempre foi assim, mas era nosso amigo, estava sempre com a gente aonde quer que fôssemos, mas desde que tinha se mudado para a capital, mudou muito...Parecia até um velho falando, conversando com a gente lá em casa, em um tom quase formal e desnecessário afinal não éramos professores de universidade ou colegas cultos de sala: Éramos a família dele!
Não demorou muito para que meu pai em suas idas á capital, iniciasse sua procura por imóveis, repúblicas e universidades para mim. Nas duas primeiras vezes que ele foi, me chamou para ir junto, mas inventei que estava com dor de cabeça, muito forte para aguentar bem horas e horas até a capital. Na terceira vez em que ele foi, me chamou, praticamente como um ultimato ameaçador:
- Amanhã sairemos às sete da manhã. Arrume sua mochila com algumas peças de roupa, pois vamos ficar lá dois dias. Quero que você conheça algumas pessoas que lhe ajudarão quando se mudar para a capital, e conheça duas universidades que gostei: Quero que dê sua opinião a respeito de tudo, eu já liguei para o seu irmão e ele vai nos ajudar nessas escolhas...Ok?
- Mas pai, eu tinha que visitar a dona Lucinda amanhã...A Ana me disse que ela está meio doente, e o senhor sabe que ela sempre gostou muito de mim não é?
- Se quiser vá hoje lá visitá-la, amanhã partiremos ás sete.
- Mas pai, eu já tinha combinado com a Ana que... (Fui bruscamente interrompido)
- Você tem certeza que quer insistir com isso e me irritar? (Falou olhando nos meus olhos e em um tom acima do normal dele)
- Não pai, desculpa...
- Ok, amanhã sairemos umas sete da manhã: Se fosse você ia arrumar agora sua mochila, e dormir mais cedo.
Eu entendia a preocupação de meu pai naquela época, mas eu amava minha casa, e não me imaginava longe da Ana, seria uma crise realmente difícil viver longe deles todos e eu não sabia se suportaria e como reagiria quando não tivesse mais a comidinha de minha mãe toda vez que sentisse fome, e nem o colo de Ana quando quisesse conversar sobre como nossa vida era legal, como algumas pessoas da escola eram bobas, como eu a achava linda quando estava de camponesa e adorava saber que ela sempre estaria lá por mim...Eu tinha medo de me tornar uma pessoa como meu irmão, como se tivesse congelado e vivesse apenas para competir, faminto por dinheiro...Eu sabia que no fundo, meu irmão ainda era a mesma pessoa, mas escondeu isso do mundo e vestiu uma outra pessoa por cima daquela que realmente ele é: Ele estava irreconhecível até para nós.
Ele sempre sabia tudo, sempre foi assim, mas era nosso amigo, estava sempre com a gente aonde quer que fôssemos, mas desde que tinha se mudado para a capital, mudou muito...Parecia até um velho falando, conversando com a gente lá em casa, em um tom quase formal e desnecessário afinal não éramos professores de universidade ou colegas cultos de sala: Éramos a família dele!
Não demorou muito para que meu pai em suas idas á capital, iniciasse sua procura por imóveis, repúblicas e universidades para mim. Nas duas primeiras vezes que ele foi, me chamou para ir junto, mas inventei que estava com dor de cabeça, muito forte para aguentar bem horas e horas até a capital. Na terceira vez em que ele foi, me chamou, praticamente como um ultimato ameaçador:
- Amanhã sairemos às sete da manhã. Arrume sua mochila com algumas peças de roupa, pois vamos ficar lá dois dias. Quero que você conheça algumas pessoas que lhe ajudarão quando se mudar para a capital, e conheça duas universidades que gostei: Quero que dê sua opinião a respeito de tudo, eu já liguei para o seu irmão e ele vai nos ajudar nessas escolhas...Ok?
- Mas pai, eu tinha que visitar a dona Lucinda amanhã...A Ana me disse que ela está meio doente, e o senhor sabe que ela sempre gostou muito de mim não é?
- Se quiser vá hoje lá visitá-la, amanhã partiremos ás sete.
- Mas pai, eu já tinha combinado com a Ana que... (Fui bruscamente interrompido)
- Você tem certeza que quer insistir com isso e me irritar? (Falou olhando nos meus olhos e em um tom acima do normal dele)
- Não pai, desculpa...
- Ok, amanhã sairemos umas sete da manhã: Se fosse você ia arrumar agora sua mochila, e dormir mais cedo.
Eu entendia a preocupação de meu pai naquela época, mas eu amava minha casa, e não me imaginava longe da Ana, seria uma crise realmente difícil viver longe deles todos e eu não sabia se suportaria e como reagiria quando não tivesse mais a comidinha de minha mãe toda vez que sentisse fome, e nem o colo de Ana quando quisesse conversar sobre como nossa vida era legal, como algumas pessoas da escola eram bobas, como eu a achava linda quando estava de camponesa e adorava saber que ela sempre estaria lá por mim...Eu tinha medo de me tornar uma pessoa como meu irmão, como se tivesse congelado e vivesse apenas para competir, faminto por dinheiro...Eu sabia que no fundo, meu irmão ainda era a mesma pessoa, mas escondeu isso do mundo e vestiu uma outra pessoa por cima daquela que realmente ele é: Ele estava irreconhecível até para nós.
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